Ao ter certeza de que já sabe o suficiente, é a hora de retomar o básico.
Essas regras Letícia as têm gravadas, com anotações na capa da sua agenda.
Seria um lembrete constante, mas ela gosta de fingir que não vê. Adora
esquecer, pois aprender dói.
Não se diz pessimista, apesar de prever o fracasso. Ser pessimista é ser
preguiçoso. E preguiça é algo que não aceita. Admitir isso seria o golpe fatal.
Basta fingir ou ignorar. E seguir teu caminho.
Prefere não enfrentar batalhas perdidas. Se diz seletiva, mas todas acabam
sendo derrotas iminentes. Segue-se o ciclo da autossabotagem.
Toca as mesmas músicas que gosta no violoncelo. Não expande. Não progride.
Assim tá bom.
Casamento acabou. Não sentiu dor alguma ou tristeza. Se acostumou a ter
alguem, mesmo sabendo que não era amada.
Trabalha pra se sustentar. Nem define ao certo sua carreira. Teve tanto
emprego que não importa com perfis em redes sociais ou "cases" de
sucesso.
Tudo no seu lugar.
Letícia diz a Márcia, sua analista, que é poeira no universo, um pedaço de
uma estrela morta, e que sua importância se dará no momento em que se desfizer,
tal qual o astro que lhe deu vida após o fim de sua existência.
A dor nas costas ao acordar pontua a situação em que se encontra. Durante o sono, imagina va estar em outra cama, esperando o beijo na testa se despedindo para mais um dia de trabalho.
Estava imerso no sonho, revisitando de um passado recente que parecia ser ainda presente.
A cama quebrou com uma semana de uso. Sexo desmedido e descontrolado pra compensar a fúria do abandono o fez perceber que a pechincha não valeu a pena. Era pegar ou largar, diz sua consciência.
4 da manhã. Adianta o café e faz alguns exercícios. Morar sozinho o permite exercer o silêncio. Menos som emitido. Ouve mais. Observa muito mais. Medita em todo tempo possivel. Ou tenta.
Hoje não trabalha. Mas não quer mais trabalhar.
Sempre decidiu errado. Duvida de si a todo momento. Acredita ser sua sina. Não quer mais impeto. Pra errar com menos culpa? Pra fugir mais facilmente?
5:30
Vai metaforizar sua fuga. Corre. A sensaçao de movimentação constante do seu espirito (acredita piamente ser um cavalo preso no corpo de um homem) atreladas a essa fuga o fez esquecer de tudo.
Por alguns instantes. Até chorar sozinho no fim da tarde.
Olha pra subida. Respira Fundo. Sempre escuta suas musicas no modo aleatório. É a forma que mais gosta de "tirar a sorte".
Enquanto começa os passos, Jerry Cantrell entoa em seus ouvidos palavras que atingem em seu coração:
The boy hesitates, when grown he'll make the same mistakes
O último bastião das grandes redes sociais na qual tinha conta e uso constante. Era um pensamento recorrente durante todo o ano de 2020. Apesar do fator gerador ter sido uma pessoa específica, a eclusão da conta ja estava fadada. Faltava o gatilho.
O papel dessas redes já vem sendo debatido ha muito tempo por especialistas e não pretendo entrar nessa dança. O fato é: cansei.
Desde a época do Orkut (quando se massificou essa interação), eu me senti mais preso à um mundo paralelo que não queria. Eu crio meus universos particulares desde sempre mas, esse caso era o oposto. Uma necessidade violenta de ter perfis como uma forma de comprovar sua existencia.
Para um menino imaginativo, sonhador mas também melancolico e depressivo, viver no mundo real já era dificil. Quando conseguia, escapava pro meu mundo. Os perfis sociais eram o oposto. Eram a expansão do real.
Relutei até onde deu. Na adolescencia, era como ter um documento que compravava que você existia. E, com o passar dos anos, isso só se comprovou.
Os benefícios existentes não se comparam à deterioração da saude mental que segue me acompanhando. Reitero que existem analises, estudos, documentarios e textos academicos que enfatizam isso de uma maneira mais abrangente e também detalhada. Aqui faço uma reflexão e dou uma explicação.
Não fiz mais amigos por lá. Ao contrário. Vivi relações superficiais com personagens, transposições de sonhos e desejos. Os amigos, de carne e osso, sumiram. Esvairam. Os determinantes eram as conexões via Facebook e Instagram.
Tentei me adequar. Sempre fui resistente à essas ondas. Como disse, ser uma persona na matrix não era difícil pra mim. Já criava meus mundos desde criança. Até tinha (tenho) escudos pra minha instropecção, como o humor autodepreciativo e o falatório. Sei fingir bem.
Tudo isso para ser aceito - ou apenas não mais humilhado / sacaneado. Mas ser absorvido por isso, viver um mundo de fotos, scraps, autopromoção e felicidade irreal e constante eram demais pra mim. Não bastava viver isso na vida, tinha que ter mais um registro falso de vida.
Se você não tem perfil, você não existe. Era isso. Adapte-se ou morra,
Piorou
Existem milhares. A Teoria das Cordas online. Rede para amizade, namoro, sexo, pintura, briga.
Todo mundo se encaixando em uma prateleira. Formam-se "algortimos", bolhas atreladas a um monitoramento constante.
Não há espaço pra solidão. E isso é enlouquecedor.
A primeira vez que abandonei as redes foi após um inicio de namoro. Em comum acordo, deletamos nossas contas para termos mais privacidade (ambos haviam se separado recentemente e fofocas se esplhavam como ervas daninhas) e compartilhamento mutuo de companheirismo. Uma vivencia a dois.
Com o tempo, em virtude das nossas vidas profissionais, retomamos nossos perfis. E isso me mostrou muitas coisas sobre quem eu não conhecia de fato. Qual a culpa das redes nisso? Apenas permitiram que não tivessemos a privacidade de discutirmos nossa vida.
Segredos expostos. Chantagens, Frases fora de contexto com montagens. Perfis disfarçados observando cada passo.
Adoecemos.
Sumi.
Voltei 2 anos depois. E parecia tudo bem. Me enganei por alguns meses.
Veio o gatilho. E resolvi deixar de vez.
Não quero ficar ligado em tudo. Sabendo tudo. Ouvindo tudo. E não vivendo.
Preciso cuidar do meu eu real que, com 36 anos, está sarando.
Preciso cuidar dos meus pais, que estão envelhecendo.
Não quero ser vigiado por alguém que acompanhe meus passos, esperando meu tropeço.
E sei que não tem relevancia alguma pra esse mundo que saí. 150 contatos que tinha foram avisados da minha saida. 7 responderam com uma forma alternativa de contato - e-mail, telefone e até cartas, sem imediatismo - 3 ainda chamaram de bobagem. O resto? Não ligam.
Não me abate. Já esperava até. Mas eu gosto de ter a confirmação
Estou alheio, mas observo de longe. Sem entrar.
Hoje, a certeza que tenho na vida é que tudo tem um ciclo. E, no fim de cada um, eu sempre volto. A ficar só
A criança sente uma confiança no homem que, até então, nunca havia posto os olhos. Talvez tenha notado o carinho de sua mãe ao vê-lo e o desespero dele ao tentar evitar a sua iminente morte.
Sós, estão no pântano nos arredores do acampamento, correndo pela sobrevivência. Diana percebe que não há escolha. Sutilmente, mesmo na escuridão da noite, consegue enxergar nos olhos atentos do homem, lágrimas descendo em fúria.
Ele a segura com firmeza e seguem pela noite. A falta de visão é recompensada pelo conhecimento territorial, fugindo de possíveis armadilhas. Mal se falam. Passam por alguns obstáculos naturais e, ao notar uma "calmaria", o homem diminui o ritmo.
"Está com medo, criança?"
Diana o fita e mantém o silêncio.
"Tem o mesmo olhar de Sybilla"
"Conhecia então a minha mãe..."
"Sim, há muito tempo. Lutamos juntos, Diana"
"Sabe meu nome?"
"Ajudei na tua chegada à esse mundo"
"E por que você veio só agora? Por que ela morreu? Quem são eles?"
"Nem eu sei, criança. Somos eu e você agora contra tudo e todos. Apenas nós dois. Não há escolha. É o destino"
Alvorece e seguem pela mata. Pontareia está bem próxima.